Era começo de outubro, já escuro devido às noites mais longas, significando a chegada do inverno. Eu estava no comando de um "velho e cansado" Hawker Siddeley 748, já chegando em Hehlingen, um pequeno lugarejo da República Alemã conhecido como o ponto de entrada do
Corredor Aéreo
Central para Berlin.
Meu velho e barulhento turbo-hélice, já havia descido à devida altitude para o vôo de aproximação sobre a República Democrática Alemã, fixada a um número abaixo de 10.000 pés, a qual, considerando a performance dos aviões modernos, era uma altitude lamentavelmente desatualizada para os anos 80. Eu tinha consciência que, logo abaixo e atrás, se aproximava rapidaente um Boeing 737, operado por um, supostamente novo, conglomerado de companhias aéreas chamada Euro Berlin. Como quase nada quebrava o clima da rotina dos vôos noturnos de Münster Greven à Berlin Tegel, através de uma rota que eu já havia feito umas mil vezes antes, minha mente começou a ponderar sobre a chegada deste novato ao cenário de Berlin. Euro Berlin era tecnicamente uma companhia francesa com uma intrincada composição, através da qual, Lufthansa, a linha aérea nacional da Alemanha Ocidental, detinha 49% das ações. Para piorar ainda mais a situação, as aeronaves eram registradas no Reino Unido. Elas eram na realidade operadas pela Monarch, uma companhia inglesa que os teria arrendado à matriz francesa. Prova maior ainda das credencias britânicas podiam ser evidenciadas através do sotaque do piloto, agora já colado na minha calda, cuja conversa com o controle de tráfego aéreo, pude ouvir através da frequência comum de rádio.
Eu também sabia que cerca de umas cento e cinquenta milhas a oeste, em um prédio adjacente ao Kleist Park, PotsdamerStraße, Berlin Ocidental, uma outra rotina, relacionada aos nossos vôos, estaria acontecendo.
O Centro de Segurança Aerea de Berlin
- "BASC," vinha sendo a base de um estabellecimento único por mais de 40 anos. O tal chamado "BASC," estaria processando minha iminente chegada e a de meu colega aviador, o qual logo passaria a 2000 pés abaixo, para sobrevoar A Zona de Identificação Soviética de Defesa Aérea. A "BASC" devia sua existência a um tratado assinado após a Segunda Guerra Mundial que permitia acesso dos Aliados Ocidentais às suas respectivas tropas na antiga Capital Germânica, a qual por acidente histórico encontrava-se dentro da Zona Soviética da Alemanha ocupada. O ponto básico deste acordo restringia o uso de três corredores aéreos registrados nos Estado Unidos, no Reino Unido e França
(e Polônia).
Em consequência, entre outras, a Lufthansa, Companhia Aérea da Alemanha Ocidental, foi destituída desta operação para, Berlin, uma cidade geograficamente localizada no interior da República Democrática Alemã. Esta restrição permanece em vigor até os dia de hoje em virtude da Guerra Fria.
Num enorme prédio praticamente vazio anteriormente Sede do "Tribunal do Povo", (Volksgerichsthof) acomodados desordenadamente ao redor de uma mesa, em uma sala revestida de madeira, oficiais militares britânicos, franceses e dos Estados Unidos trabalhavam com os russos para assegurar o cumprimento do acordo. Por mais de quarenta anos os soviéticos comunicaram sua permissão aos outros três aliados para cada vôo, através de tiras de papel sobre a mesa. Os aliados então, passavam a permissão por telefone ao pessoal do centro do controle de tráfego aéreo localizado em Tempelhof
Acordo, tratado, pacto, ou seja lá o que for, os aliados vêm usando os corredores aéreos por muitos anos para outros fins, e não só o de abastacer suas tropas. A partir do momento que era óbvio que seu uso por companhias aéreas Britânicas, Francesas e Americanas, levando passageiros de todas as nacionalidades por motivos comerciais, não estava estritamente de acordo com as regras, a questão sobre os vôos da Euro Berlin pareceu mudar de tom do que já era diplomaticamente "cinza". Neste dia em questão, a Euro Berlin ainda não havia começado a operar e o vôo do qual eu sabia, era apenas um, de uma série que se seguiria até a primeira operação comercial, que deveria ocorrer na semana seguinte. Tudo dependia da atitude dos russos. No decorrer da semana anterior havia ocorrido um número considerável de especulações sobre como seriam as reações a este recém chegado aos céus de Berlin. Entretanto, os indícios não foram bons, pois o Ministro do Exterior da União Soviética, indo de encontro a Glasnost e Perestrioka, já vinha fazendo observações desgradáveis a cerca da Euro Berlin estar quebrando o espírito de acordo referente ao acesso aéreo, alertando para o fato que por sua localização e seus métodos de comercialização de passagens na Alemanha Ocidental, a organização era obviamente Lufthansa.
"Euro-Berlin November Bravo, aqui fala o centro de Berlin, seu acesso ao corredor não foi autorizado. Dê a volta, repito, dê a volta e proceda fora do corredor" Ouvi e quase não pude acreditar na voz transmitida do controle de Tempelhof. Naquela fração de segundo me dei conta do que havia acontecido -os Russos estavam finalmente dizendo "niet" Naquele momento pude visualizar a cena na "BASC". Quepes seriam colocados, oficiais se colocariam em posição de sentido e discursos seriam feitos. Especulei com relação às palavras do tradutor Russo, articulando para o fato que "Acordos eram acordos e que apesar da Perestroika, de forma alguma a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas iria autorizar a Lufthansa a entrar pela porta dos fundos." Dada a importância dos eventos, supus que as linhas telefônicas para Quai d'Orsay, Whitehall e Washington estariam em ação simultânea convocando seus Embaixadores e seus "Air Attachés" a comparecerem aos escritórios. Passou pela minha mente que poderiam estar acontecendo conflitos de poder entre o Kremlin e a eventual queda de Gorbachov. Depois de 43 anos de Guerra Fria, a bonança que esperávamos ansiosamente, e que acolheríamos de bom grado, chegou ao fim. O aparato do qual eu tinha me tornado parte, ainda continuaria por muitos anos mesmo após eu me aposentar. "Roger" veio a reposta com apenas uma "pontinha" de surpresa "Poderia confirmar o motivo do acesso negado?" "November Bravo não temos um plano de vôo com este código de chamada. Poderia confirmar ser November Bravo, ou vocês são o treze setenta e seis?" "Afirmativo," falou a voz britâanica "devemos ser codificados como treze setenta e seis" "OK," voltou a voz ainda do interior de Tempelhof "Autorizado para Havel via a Rota Central número dois. Desculpe o mal entendido."
Alguns dias depois, a Euro-Berlin começou a operar da Alemanha Ocidental para Berlin Ocidental. Uma ponte aérea para Berlin e quarenta anos de intervenção soviética foram aniquilados. A cena que havia visualizado ainda bem que não iria se concretizar. O fato da chegada da EuroBerlin atraiu pouca atenção na Grã-Bretanha, apesar de eu duvidar que tenha sido revelada a nivel diplomático. Lembro de pensar que ao aceitar a nova companhia aérea, os Russos estariam indicando aos Aliados Ocidentais que havia uma brecha no muro de Berlin. Esta data foi Outubro de 1988. Logo em seguida a brecha se tranformou num buraco, e em 9 novembro 1989, o muro em si, começou a desaparecer.